Seade na Imprensa
16/12/24
Cresce 60,1% o número de idosos na força de trabalho no interior paulista

Correio Popular, de Campinas – 14/12/2024

O mecânico Waldir Gigof cuida há 53 anos da manutenção dos carros dos clientes que possui. Quando se aposentou em 2009, ele chegou a ficar parado um ano para aproveitar o benefício conquistado após décadas de trabalho e contribuições para a Previdência Social, mas a realidade o levou novamente a precisar sujar as mãos de graxa e fazer reparos em automóveis. “Até passei a oficina para o meu filho, mas tive de voltar para ajudá-lo e para complementar a renda”, disse. Com 68 anos, Gigof dá expediente de segunda a sexta-feira no estabelecimento, que fica no Jardim Leonor. Waldir Gigof engrossa a estatística que mostra o aumento na última década da parcela de idosos na força de trabalho.

O número de idosos que continuam trabalhando após a aposentadoria teve crescimento de 60,1% no interior paulista de 2014 para 2023, sendo a região do Estado de São Paulo com a maior elevação, revelou estudo divulgado pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). De acordo com as estatísticas, uma em cada 12 pessoas hoje na ativa tem mais de 60 anos de idade. No início do período analisado, era uma em cada 17, ou seja, a proporção saltou de 5,8% para 8,3%.

Na Região Metropolitana de São Paulo, o aumento foi de 56,3%, com a participação do idoso na força de trabalho passando de 6% para 8,2%. O estudo foi feito com base na Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Já no Estado de São Paulo, a proporção de pessoas de 60 anos ou mais de idade no total da força de trabalho passou de 5,9% para 8,3%. Considerando que a força de trabalho paulista era de 26,4 milhões de pessoas no ano passado, um contingente de 2,19 milhões de idosos em todo o Estado segue na labuta diária.

Waldir Gigof se aposentou ganhando 2,5 salário mínimos, recebendo R$ 2,4 mil líquido. “Esse valor dá apenas para pagar o meu convênio médico, da mulher e das minhas duas filhas”, afirmou. As outras despesas da família são cobertas pelo que ganha como mecânico e com o aluguel de um barracão comercial no Jardim Europa. “A maior presença de idosos no mercado de trabalho paulista decorre de fatores demográficos, em especial do aumento da longevidade, bem como de circunstâncias socioeconômicas, como o prolongamento da vida economicamente ativa e a necessidade de subsistência ou complementação da renda familiar”, afirmou a Seade em seu relatório.

VIDA DIFÍCIL

Nesse perfil se encaixa também Benedito Maximino Mello, 71, que busca a subsistência vendendo doces no Centro de Campinas pela manhã e atuando como catador de recicláveis, principalmente latas de alumínio e ferro, à tarde. “Dá para tirar uns R$ 40 por dia”, contou resignado. Ele aposentou com 1,5 salário mínimo, mas viu a renda minguar após pegar um empréstimo consignado de R$ 15 mil para cobrir as despesas da família. A dívida se transformou num desconto compulsório de R$ 270 por 80 meses, ou seja, seis anos e oito meses.

O estudo da Seade revelou que 30,5% das pessoas de 60 anos ou mais ocupadas possuem emprego formal, enquanto 69,5% têm outras formas de ocupação. Na Região Metropolitana de São Paulo, os índices são, respectivamente, de 29,1% e 70,9%. “Eu vou trabalhar até morrer”, resumiu Jeofran Borges, 65 anos. Ele se aposentou por idade e tempo de serviço em julho e seguiu na função de instalador de placas de energia solar até o mês passado, tirando o mês de dezembro para descansar. A necessidade de seguir trabalhando ocorre diante da necessidade de destinar R$ 1 mil para pagar as pensões dos filhos de 11 e 14 anos.

“Em janeiro já vou procurar algo para fazer”, relatou. A intenção é achar uma vaga como porteiro ou em manutenção elétrica. “Não dá mais para continuar como instalador, em cima de telhado, na altura. Não tenho mais a mesma disposição”, afirmou Jeofran Borges. A área procurada é a principal fonte de emprego para os idosos. De acordo com a Seade, 61,1% das pessoas parte desse público atuam no setor de serviços, 16% no comércio, 11,9% na indústria, 10,4% na construção civil e 0,6% na agricultura.

REFLEXOS FUTUROS

Carlos Roberto Pinto, que completou 72 anos na última segunda-feira (9), vive uma situação diferente. “Daria para viver com a aposentadoria, mas não consigo ficar parado em casa. Ficaria doente”, explicou. Ele se aposentou, mas seguiu no emprego em um restaurante na Vila Industrial, onde está há 28 anos. “Eu faço o que for necessário. Se precisar ir para a cozinha, vou”, ressaltou. Ele contou que também desempenha as funções de garçom e balconista.

A mudança em seu cotidiano foi tirar um pouco o pé do acelerador e reduzir a jornada de trabalho. Antes, Carlos Roberto Pinto batia ponto de terça-feira a domingo, mas hoje limitou o trabalho a quatro dias por semana: segunda, quarta, sexta e sábado. Ele não tem planos de parar definitivamente e segue na ativa com um sorriso no rosto e atendendo de forma simpática os clientes, muitos se tornando amigos depois de tanto tempo de convivência.

O aumento no número de idosos entre a população pode ser explicado pelo aumento da expectativa de vida, relacionado aos avanços da medicina e melhoria da qualidade de vida, e queda da taxa de fecundidade. “A ampliação do acesso à saúde no Brasil, proporcionada principalmente pelo SUS (Sistema Único de Saúde) nos últimos anos, com ações que visam à prevenção de doenças e promoção da saúde, contribuem com a mudança no perfil de mortalidade e de saúde da população brasileira. Por sua vez, elas também impactam na longevidade. As pessoas vivem mais, pois deixam de morrer por causas evitáveis, causas que podem ser prevenidas, por exemplo”, destacou o 1º secretário-adjunto da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia de São Paulo, e professor da área de Geriatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), André Fattori.

Esses fatores refletem no perfil demográfico. A população de Campinas ficou mais velha e mais feminina. De acordo com o Censo 2022, o município tem 209.267 pessoas com mais de 60 anos, aumento de 12,57% em relação aos 185.893 de 2010.

Outro estudo da Fundação Seade mostrou que a taxa de fecundidade da Região Administrativa de Campinas teve queda de 22% entre 2000 e 2023. O número médio de filhos nascidos vivos de mulheres entre 15 e 49 anos caiu de 1,91 para 1,49. Para o diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Junior, a maior longevidade da população é um desafio para o governo federal e o crescente déficit da Previdência Social.

“Estamos envelhecendo rápido. Isso envolve recursos, direitos previdenciários. O que vamos assistir, além das crianças em situação de rua, serão milhares de idosos em situação de rua. Pessoas que trabalharam a vida toda e que não terão o direito de se aposentar. Isso atinge especialmente as mulheres, que não terão sequer um salário mínimo na velhice”, projetou.

O envelhecimento da população já causou impacto nas finanças da Previdência Social. Entre 2010 e 2022, a proporção dos potenciais beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) aumentou 4%, mais de quatro vezes o crescimento dos potenciais contribuintes com idade de 20 a 64 anos. Esse movimento altera a dinâmica produtiva e causa reflexos no mercado de trabalho e no Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todos os bens e serviços. Além da Previdência, o envelhecimento da população sobrecarrega a saúde pública e exige mudanças em outras áreas.

“É um fenômeno que vem sendo cada vez mais discutido em razão das crescentes demandas que ele coloca para as políticas públicas em áreas como saúde e assistência social”, analisou a Seade em seu relatório. As projeções demográficas feitas pela fundação indicam que em 2035 a população com mais de 65 anos deverá superar a de menores de 15 anos.

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