Imprensa

27.07.2021

SP registra queda de 74% de óbitos por Aids em 24 anos, diz Fundação Seade; estigma ainda é o maior desafio

Site G1 – 27/07/2021
O estado de São Paulo registrou queda de 74% nos óbitos por Aids, 24 anos após registrar o pico de vítimas da doença. Em 1995 foram 7.739 mortes, recorde histórico, contra 2.049 em 2019, de acordo com um estudo da Fundação Seade divulgado nesta terça-feira (27).
Com estes números é possível concluir que em mais de duas décadas, a taxa de mortalidade despencou de 22,9 para 4,6 óbitos por 100 mil habitantes no período.
A análise foi realizada pela Fundação Seade a partir das estatísticas do registro civil. Além da descoberta dos antirretrovirais na metade da década de 1990, os pesquisadores atribuem o controle da epidemia em São Paulo ao esforço conjunto e contínuo do governo federal, do estado, dos municípios e de organizações não-governamentais (ONGs), com foco na prevenção, na testagem e no tratamento.
“Essa queda é resultado de um esforço enorme por uma política pública, que se tornou muito bem estruturada no nosso estado. Enquanto o governo federal garantiu os antirretrovirais pelo SUS, o estado ofereceu mais de 200 serviços para um tratamento integral; os municípios trabalharam no diagnóstico precoce, com testes rápidos nas UBSs, e a sociedade cobrou esse engajamento e ofereceu suporte para as questões de discriminação”, explicou a dra. Maria Clara Gianna, coordenadora-adjunta do Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo e dedicada ao assunto há 33 anos.
O levantamento da Fundação Seade também acompanhou a composição dos óbitos por Aids segundo a idade, que revelou expressiva queda da mortalidade da população com até 44 anos, e aumento entre aqueles com mais de 45 anos.
Apesar do engajamento dos governos e da sociedade, e da evolução da ciência a ponto de permitir que uma pessoa que vive com o vírus HIV tenha filhos e tome um ou dois comprimidos por dia, o estigma sobre o diagnóstico positivo permanece como 40 anos atrás.
“Eu descobri no dia 14 de fevereiro de 2017 e foi como se eu estivesse com os dias contados. Ainda falta representatividade e acolhimento. Faltam referências de pessoas que vivem, e que vivem bem com o HIV”, disse David Oliveira, de 29 anos, morador da Zona Leste da cidade de São Paulo.
Eu mostro meu rosto – não para romantizar essa vivência, mas para informar que se trata de uma doença crônica, que não me impede de cozinhar, mandar currículos e sonhar. No teste veio escrito ‘reagente’, e eu entendi que era para reagir pra vida. ‘Reage!’. Reage porque imprevistos acontecem, e a gente precisa estar atento e forte'”, continuou David Oliveira, que criou o projeto Doses de Vida.
Eu mostro meu rosto – não para romantizar essa vivência, mas para informar que se trata de uma doença crônica, que não me impede de cozinhar, mandar currículos e sonhar. No teste veio escrito ‘reagente’, e eu entendi que era para reagir pra vida. ‘Reage!’. Reage porque imprevistos acontecem, e a gente precisa estar atento e forte'”, continuou David Oliveira, que criou o projeto Doses de Vida.
Mortes por Aids nas regiões do estado
A queda da mortalidade por Aids ocorreu de forma diferenciada pelo território paulista, de acordo com a análise pela Fundação Seade segundo dos 17 Departamentos Regionais de Saúde (DRS) do estado de São Paulo.
Em 1995, seis regiões se destacaram com altas taxas de mortalidade pela doença, com patamares acima de 20 óbitos por 100 mil habitantes: Baixada Santista (43,5), Ribeirão Preto (34,6), Grande São Paulo (26,1), São José do Rio Preto (24,7), Barretos (24,3) e Vale do Paraíba (23,7).
Já em 2019, essas regiões alcançaram taxas de mortalidade inferiores a 8: Baixada Santista (7,6), Ribeirão Preto (5,1), São José do Rio Preto (5,2), Barretos (5,7), Vale do Paraíba (5,5), com destaque para a Grande São Paulo, que ficou abaixo de 4,9.
Panorama por sexo e idade
A queda mais acentuada de mortes por Aids foi identificada entre o público masculino. Em 1995, 5.850 homens faleceram de Aids, contra 1.397 em 2019, uma redução de 76,1%.
Já no sexo feminino, a queda foi de 65,4%, com 1.889 óbitos contra 652 nesses anos, respectivamente. Os dados também mostram a mudança de comportamento sexual – tradicionalmente, a mortalidade por Aids tinha maior impacto entre os homens, sendo que em 1990, a proporção era de seis óbitos de homens para cada um em mulheres; em 2019, a diferença foi de 2 para 1.
O estudo também mostra que a Aids impactou de forma diferenciada cada grupo etário em São Paulo. A Aids teve maior impacto entre os jovens adultos de 20 a 49 anos, especialmente de 30 a 34 anos, grupo que chegou a registrar 62,2 óbitos por 100 mil habitantes; já em 2019, a taxa de mortalidade nele foi de 4 óbitos por 100 mil habitantes.
Também se destaca no levantamento a população paulista de zero a 19 anos, especialmente as crianças de 4 anos – em 2019, a cobertura da terapia antirretroviral no pré-natal foi de 92% no estado, quando a taxa de mortalidade entre essas crianças foi de 0,2 óbito por 100 mil; no ano de pico, em 1996, era de 5,1 por 100 mil.
O que mudou e o que ainda falta
A dra. Maria Clara Gianna explicou ao G1 que hoje os medicamentos têm melhor qualidade, os efeitos colaterais são menores, e em quantidades que caíram de até 20 por dia para 2 por dia. No entanto há possibilidade de melhorar ainda mais a redução de 74% das mortes por Aids.
“É possível reduzir muito a quantidade de mortes pela Aids por meio de novas estratégias de prevenção, como por exemplos mais testagem, a profilaxia pré-exposição (PrEP) [comprimido que impede que o vírus causador da Aids infecte o organismo], o controle da transmissão vertical do HIV [como o pré-natal para todas as gestantes a fim de proteger as crianças], e, sobretudo, mais informação pelo fim do estigma e do preconceito que acompanham o diagnóstico”, disse ela.
Segundo Maria Clara, o medo muitas vezes impede que as pessoas falam o teste e atrapalham na adesão ao tratamento. A percepção é compartilhada pelas pessoas que vivem com o HIV.
Silvia Almeida, a Silvinha, é uma aposentada e ativista de 57 anos, que integra o Movimento Nacional de Cidadãs Positivas (MNCP). Ela descobriu que estava com o vírus aos 30 anos, faz o tratamento desde então, e possui carga indetectável.
“A ciência evoluiu muito. Antigamente, a gente já se descobria com Aids, e não apenas com o vírus porque não existia o diagnóstico precoce. Hoje, se a pessoa entender o tratamento, mantiver a consciência de que o vírus está dentro do organismo, e sempre olhar pra ele com cuidado, com carinho e com responsabilidade, ela não adoece”, explicou Silvinha, do MNCP
“A ciência evoluiu muito. Antigamente, a gente já se descobria com Aids, e não apenas com o vírus porque não existia o diagnóstico precoce. Hoje, se a pessoa entender o tratamento, mantiver a consciência de que o vírus está dentro do organismo, e sempre olhar pra ele com cuidado, com carinho e com responsabilidade, ela não adoece”, explicou Silvinha, do MNCP
“Por outro lado, a população em geral ainda enxerga o HIV como o vírus da morte. Ainda hoje as pessoas que se descobrem com ele imaginam que vão morrer em breve, que um estrago foi feito na vida. Então, o que a gente precisa é ter mais informação clara, correta, e que tire esse estigma”, completou.
Os testes para o HIV podem e devem sempre ser realizados por pessoas que se expõe ao vírus com relações desprotegidas, por exemplo. São gratuitos e estão disponíveis nos locais indicadoDe as no site do Centro de Referência e Treinamento-DST/AIDS-SP (CRT-DST/AIDS) ou pelo serviço Disque DST/aids: 0800 162 550.