Imprensa

29.01.2018

SP, que não queria parar, cresce pelas bordas

Folha de S. Paulo – 25/01/2017
 
A capital paulista completa 464 anos nesta quinta (25) com 11,7 milhões de habitantes, 1,5 milhão de endereços registrados e a pergunta: ainda há espaço para crescer. Em termos imobiliários, há. Mas cada vez menos e mais distante do centro. Apenas um décimo das construções da cidade foi erguido neste milênio, e os endereços mais novos estão concentrados nas franjas do município. É oque mostra levantamento da Folha com base no ano de construção de todos os imóveis regulares da cidade. A base de dados é do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) de 20 17. Favelas e moradias irregulares ficam de fora ?mas a tendência é semelhante, segundo especialistas. Em outros tempos, políticos entoavam o lema do governador Ademar de Barros (19471951 e 1963-1966) “São Paulo não pode parar” o que custou até a “demissão” do prefeito biônico Figueiredo Ferraz em 1973, durante a ditadura, por dizer que a cidade precisava parar de crescer. Mas agora os dados indicam que, se não parou, o crescimento paulistano desacelera bruscamente. Apenas 2,4% das construções que existem hoje na cidade foram erguidas na década de 2010. Se seguir no ritmo atual, este decênio terminará com 3,6% dos imóveis outros 7% são da década de 2000. Quando temos movimentos migratórios ou crescimento demográfico, temos um maior volume de empreendimentos?, diz Flavio Amary, presidente do Secovi, sindicato da construção civil. Desde os anos 1960, a população da capital aumenta em ritmo cada vez mais lento 74% de crescimento entre 1950 e 1960, ante 8% entre 2000 e 2010. O Seade, serviço estatístico de SP, estima que o número de habitantes começará a cair a partir de 2040. Da década de 1990 em diante, principalmente, houve uma migração para o interior em busca de qualidade de vida e segurança, além de uma descentralização das indústrias e do emprego, diz Amary. Além do menor crescimento demográfico, a urbanista Marta Grostein, da USP, destaca a mudança na escala das construções. Hoje são empreendimentos que ocupam muita área, grandes conjuntos de escritórios ou condomínios.? Num local onde antigamente seriam feitas 50 casas, por exemplo, hoje há um único prédio o que pode explicar o número menor de construções nas últimas décadas.
DE DENTRO PARA FORA
Os dados do IPTU mostram também que ,ao longo do tempo, as novas construções migraram das regiões centrais para os limites do município. É sobretudo a partir dos anos 1970 que essa descentralização ganha força. Era terra barata em um momento de grande migração de trabalhadores de outras partes do Brasil, sem alternativas de moradia acessíveis no centro. Foi nessa época que se iniciaram as construções da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação), financiadas pelo extinto BNH (Banco Nacional da Habitação). A ditadura estimulava o setor para aquecer a economia. As Cohabs induziram a expansão periférica e puxaram com elas os loteamentos e as favelas. É o que o Minha Casa, Minha Vida está fazendo hoje. Quando chegam esses conjuntos, no meio do mato, se cria uma avenida, e ao longo dela vão se formando favelas, diz Kazuo Nakano, urbanista da Unifesp.
Para Amary, do Secovi, o movimento também foi influenciado pelas limitações legais de construção no centro, como a regulação da altura dos prédios. Quando limitamos a verticalização de algumas regiões, expurgamos as pessoas para as periferias e até para as cidades vizinhas. Leis municipais ao longo do tempo limitaram a altura de edifícios, com objetivos como impedir a piora do trânsito. Agora, a gestão João Doria (PSDB) quer flexibilizar a Lei de Zoneamento, aprovada na gestão anterior, e permitir, em certas áreas, edifícios mais altos. Nas nossas contas, não será possível construir edifícios muito maiores que 18 ou 19 andares, e só em 14% do território, disse à Folha a secretária de Urbanismo e Licenciamento, Heloisa Proença. Renato Cymbalista, da USP, cita ainda outro fator para a descentralização: A demanda demográfica era muito alta, e a cidade já estava motorizada, com automóveis e ônibus. Além da periferia proporcionar terra barata para os pobres, as classes média e média-alta desejavam as casas grandes com jardim que os loteamentos mais distantes podiam proporcionar a um custo mais baixo. Os cinco distritos com maior concentração de imóveis registrados nos anos 1970 são Cidade Tiradentes (73%), Campo Belo (62%), Itaim Bibi ( 6 1 %), Alto d e Pinheiros( 58%) e Santo Amaro (55%). Apesar de os registros mostrarem que quase um terço das construções são daquela década, há distorções. O cadastro passou por melhoras e informatização em meados daquela década? adotando 1 9 7 0 como conclusão de imóveis sem informação disponível. Ainda que primitivo, há agora um movimento contrário, de retorno ao centro, afirma Danilo Igliori, professor de economia da USP e executivo do Datazap (seção de dados da empresa Zap Imóveis). É o que sinaliza a construção de espigões na Barra Funda ou prédios com apartamentos menores no centro. Hoje tem uma iniciativa do setor de construção de buscar espaços mais próximos do centro. As pessoas estão dispostas a pagar mais caro pelo metro quadrado para morar perto do trabalho e do transporte público, afirma. O espraiamento da cidade traz custos grandes, de infraestrutura do setor público e de tempo que pessoas precisam para se deslocar para seus empregos, que não foram descentralizados, diz. Cymbalista concorda: Alguns dos imóveis mais encalhados são as grandes casas em Alphaville e Granja Viana. Os mais pobres encontram soluções como a construção de lajes ou andares para venda e aluguel, moradia em cortiços. Os mais jovens querem morar no centro e perto de transporte público, em todas as classes sociais.