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06.03.2020

São Paulo puxa indústria

Revista IstoÉDinheiro – 28/02/2020 – Sérgio Vieira
Em um ano marcado por dificuldades fiscais na maior parte de estados brasileiros, cofres públicos quase em colapso, fuga de empresas e escândalos de mau uso do dinheiro público, o estado de São Paulo conseguiu passar quase ileso pelos solavancos econômicos e registrar índice de crescimento três vezes superior ao do Brasil, provocado pela retomada da indústria paulista. Considerado uma prévia do Produto Interno Bruno (PIB), o Índice de Atividade Econômica do Banco Central mostrou São Paulo na ponta do ranking nacional, com crescimento de 2,8%, contra 0,9% do País em 2019. Além dos paulistas, apenas os estados de Santa Catarina, Goiás e Paraná registraram índices superiores a 2%. Não fosse o bom de resultado de São Paulo, o Brasil teria amargado um resultado ainda mais pífio, beirando os 0,4% (menos da metade).
Os dados do ano passado da Pesquisa de Investimentos Anunciados no Estado de São Paulo (Piesp), da Fundação Seade, antecipados com exclusividade pela DINHEIRO, confirmam esse cenário de reindustrialização em São Paulo, que após período de retração voltou a ganhar força com aportes significativos. Em 2019, foram anunciados, pela iniciativa privada, R$ 100,1 bilhões de investimentos, o terceiro maior volume anual desde que a pesquisa foi iniciada, em 1998 (só atrás dos R$ 114,1 bilhões de 2012 e dos R$ 101,6 bilhões de 2015), um salto de 80% em relação aos investimentos anunciados em 2018 (R$ 55,7 bilhões), e a volta para a casa de três dígitos, após os R$ 58,9 bilhões de 2017 e os R$ 28,3 bilhões de 2016, o segundo pior da história (só ficou à frente de 2005, com R$ 27,3 bilhões).
O setor industrial também teve o melhor resultado em São Paulo nos 22 anos de pesquisa da Fundação Seade, com anúncios de investimentos de R$ 29,2 bilhões em 2019. O que puxou a cifra foi a decisão dos controladores da Bracell, que integra o grupo RGE, de Cingapura, em investir R$ 7 bilhões na expansão da fábrica de celulose em Lençóis Paulista, na região de Bauru. Com isso, a produção, hoje de 250 mil toneladas ao ano, vai saltar para 1,5 milhão de toneladas em 2021, garantindo à empresa a liderança mundial na produção de celulose solúvel, e ainda assegurar a criação de até 7.500 postos de trabalho. Investimentos da General Motors, CPFL Energia, Vivo e Raízen são outros destaques entre os aportes apresentados no ano passado.
A indústria de São Paulo cresce também em ritmo maior que a média nacional, com 0,2% para o Estado, melhor que a variação negativa de 1,1% registrada em 2019 no Brasil. Ainda segundo o Banco Central, outros setores da economia paulista saltaram: o varejo restrito (que exclui material de construção, veículos e peças automotivas) expandiu 2,4%, acima dos 1,8% da média brasileira. No varejo ampliado (que engloba todos os ramos), a alta foi ainda maior, com 5,3% em 2019, bem acima dos 3,9% registrados no País. Em serviços, a diferença foi mais expressiva: 3,3% de São Paulo contra apenas 1% da média brasileira. Já no ranking da Piesp, da Fundação Seade, além da indústria, o setor de infraestrutura foi beneficiado com anúncios de investimentos em 2019 da ordem de R$ 53,4 bilhões. No comércio, foram anunciados 1,3 bilhão e, para serviços, R$ 10,6 bilhões.
Muito desse cenário se deve ao estilo “caixeiro-viajante” adotado pelo governador João Doria desde o início de sua gestão como forma de vender o estado durante viagens ao exterior. A conversa com representantes da Bracell se deu na passagem do tucano, no início de 2019, a Davos. Já nesse ano, Doria e parte do secretariado foram ao Oriente Médio e voltaram com expectativa de investimentos de cerca de R$ 30 bilhões de fundos árabes em projetos de concessões, além de abrir um escritório comercial em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Não é somente no “olho no olho” de Doria que está a estratégia do Estado que vem garantindo mais receita aos municípios paulistas e puxando a economia do Brasil. Na prática, anúncio de investimentos de grandes corporações tem um significado claro: confiança do empresariado para empregar os valores com a garantia e segurança de que poderá executar as ações necessárias para a produção.
Para o vice-governador e secretário estadual de Governo Rodrigo Garcia, a confiança do investidor em São Paulo se dá pelas ações governamentais que visam “não dificultar a vida de quem quer investir”. Isso envolve reorganização de juntas comerciais, desburocratização e redução de impostos em segmentos diversos da cadeia produtiva. “Como se atrai investimento? Dando segurança jurídica, clareza com marcos regulatórios e mostrando que o governo está aqui para simplificar a vida do investidor. Em São Paulo, criamos ambiente para investimentos, mesmo que o ambiente nacional não seja esse”, diz o vice-governador, que aposta na aceleração do ritmo para 2020.
Na prática, o Estado já reduziu o ICMS o querosene de aviação de 25% para 12%, zerou ICMS para o setor hortifrutigranjeiro, ofereceu desconto de até 25% no imposto estadual para o setor automotivo desde que haja contrapartida de investimentos, além de diminuir de 7% para 3% da alíquota para o setor calçadista. Em 2017, o governo zerou carga tributária do setor têxtil. “O governo estadual vai aumentar sua capacidade de investimentos para os próximos três anos”, afirma Rodrigo Garcia, que prevê crescimento da economia paulista na casa dos 3%. “A expectativa é que, apesar de o Brasil não dar sinais claros de retomada para valer, o estado possa ter esse crescimento como ocorreu no ano passado”.
A série histórica do PIB mostra que houve, de fato, um descolamento no ano passado dos números de São Paulo em relação ao País. A distância maior, além de 2019, havia sido em 2007, quando o Estado registrou crescimento 23% acima do Brasil, com 7,5%, contra 6,1% da média nacional. Desde 2010, quando São Paulo marcou expansão de 7,6% na economia (acima apenas 0,1 ponto percentual da média brasileira), até 2018, o estado registrava números abaixo da média nacional.
Garcia, que também é presidente do Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas, acredita no caminho de concessões e parcerias para atrair outros R$ 40 bilhões em investimentos. “Cada vez mais o orçamento público tem que se concentrar naquilo que o privado não faz, que é Saúde, Educação, Segurança e Assistência Social. O resto é preciso passar para o privado e ter uma boa regulação”, afirma.
O pacote de concessões e parcerias tem 20 projetos de desestatização, e a maior parte deve sair do papel ainda este ano. “Em 2019 teremos, entre outras, licitação do Zoológico, Jardim Botânico, ginásio do Ibirapuera, os 22 aeroportos administrados pelo Daesp [Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo], parques Caminhos do Mar, estradas e linhas 8 e 9 da CPTM”, diz Garcia. Concessões das Marginas Tietê e Pinheiros, em São Paulo, e do porto de São Sebastião devem ser concluídas em 2021.
Em documento no qual o governo do estado apresenta São Paulo ao mundo durante as missões oficiais, há dados comparativos com outros países, tamanho o esforço em mostrar as razões para o desembarque de capital privado— e estrangeiro. Entre os números, a informação de que, se de fato fosse um país, São Paulo seria a 21ª economia mundial, muito próximo da Suíça e Arábia Saudita e à frente da Argentina. Mas se São Paulo, que hoje concentra 34% da indústria nacional, se vende ao mundo como uma nação, ainda precisa enfrentar — e resolver — desafios da ordem de grandeza de um país, como problemas de urbanização, saneamento básico, drenagem, mobilidade urbana nas regiões metropolitanas e números ainda insatisfatórios nos índices educacionais.
Em contrapartida, há um cardápio de boas soluções na bandeja para apresentar aos investidores: nove das 10 principais rodovias brasileiras estão no Estado, além de dois dos principais aeroportos mais bem avaliados do País (Viracopos e Guarulhos). Há ainda bons índices em Segurança Pública, além de o estado estar com as contas no azul. Em 2019, São Paulo registrou superávit de R$ 18,3 bilhões, o melhor resultado primário desde 2010, provocado, principalmente, por políticas de cortes de gastos.
Em 2003, ainda sob gestão de Geraldo Alckmin, São Paulo implementou a reforma da previdência para servidores públicos. O governo de Doria apresentou mudanças no sistema para garantir, segundo cálculos do estado, economia de R$ 32 bilhões em 10 anos. A proposta foi aprovada em primeira discussão na terça-feira 18 pela Assembleia Legislativa.
A chefe da divisão de Estudos Econômicos e Projetos da Fundação Seade, Maria Regina Novaes Marinho, avalia que o horizonte é bom. “Muitos desses investimentos correspondem a período maior, precisam de maturação. Mas mostra que São Paulo retoma o caminho do crescimento, como já visto em anos anteriores”. O professor de Macroeconomia Silvio Paixão, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), braço de pesquisas da Universidade de São Paulo (USP), prevê a seta ainda mais para cima nos índices. “São Paulo tem vantagens competitivas, como infraestrutura estabelecida, predisposição para exportação e uma mão de obra qualificada. Acredito que o Estado vai manter sua dinâmica de crescimento nos próximos anos e acho bem factível um índice perto dos 3%”.